quarta-feira, 2 de outubro de 2013

O Som ao Redor: Brasil buscando uma vaga no Oscar

Kleber Mendonça Filho nascido no Recife é um jornalista com larga experiência em critica de cinema. O primeiro longa metragem do jornalista, O Som ao Redor, lançado em 2012, recebeu prêmio da Federação Internacional de Críticos de Cinema (Fipresci) no Festival de Roterdã de 2012. Prêmio de melhor filme pelo júri popular e Júri da Crítica, melhor diretor e melhor desenho de som no Festival de Gramado. Prêmios de melhor filme e melhor roteiro na Première Brasil do Festival do Rio 2012. Além das premiações nacionais, agora O som ao Redor foi escolhido como representante do Brasil na tentativa de uma vaga ao Oscar.

O filme tem como cenário principal um bairro de classe média alta do Recife e apresenta como personagens principais Francisco, proprietário de terras e imagem centralizadora de poder do bairro, João e Dinho, netos de Francisco, Bia, uma dona de casa atormentada pela rotina e os barulhos do bairro, Mariah a empregada que trabalha a gerações para a família de João, e Clodoaldo, chefe do grupo que oferece segurança privada no bairro.

A trama, com outros personagens secundários que estão essencialmente conectados, representa de forma bastante estruturada as relações de poder e os reflexos do raciocínio coronelista que ainda impera no Brasil. Dentro deste panorama o filme ainda trabalha questões como ocupação do espaço, a vida urbana e a relação dos diferentes extratos da população com a questão da violência nos grandes centros urbanos.

O recurso mais instigante da obra é o som trabalhado como ferramenta essencial para definir os contextos. Na abertura do filme segue uma sequência de imagens que já traduz um pouco do significado do argumento do filme relacionado às relações sociais pautadas no poder de um sobre outro. O som é de batidas de tambores surdos e instrumentos de percussão.

Após esta sequência, o filme começa com a cena de duas crianças brincando no ambiente de enclave fortificado, que é o condomínio fechado, o ruído que se destaca inicialmente é o barulho dos patins da criança no chão, depois o som da aglomeração de jovens reunidos na quadra do condomínio, devidamente supervisionados por mulheres uniformizadas, presumidamente as babás, depois o som de uma serra manipulada por um operário que está do lado de fora do condomínio.

O cenário do enclave fortificado é onde se concentram as questões relacionadas com o embate de classes. Como o personagem Agenor, que trabalha como porteiro. O funcionário tem dormido em serviço e os moradores convocam uma reunião para tratar do assunto. As tensões acontecem por conta da demissão por justa causa, o que impediria o funcionário de receber os benefícios referentes aos 14 anos de trabalho. Se destaca neste ponto a mesquinharia e raciocínio autocentrado de alguns dos condôminos. Importante deixar claro a crítica do cineasta à classe média, ele usa o comentário de uma das moradoras que reclama da falta de educação do funcionário e que a Revista Veja dela veio fora do saco, a relação entre o pensamento reacionário e a publicação supracitada é inevitável, fica um ar de sátira, para quem puder interpretar.

Um dos personagens principais, João, aparenta uma relação bastante íntima com a emprega Mariah, os termos iniciais de tratamento entre os dois é de carinho e familiaridade, é fácil reconhecer nos primeiros minutos de dialogo entre os dois personagens os resquícios do raciocínio paternalista e de relação de exploração entre Casa Grande e Senzala. Mariah, já uma senhora de 60 anos, conversa tranquilamente com João e Sofia, a namorada do rapaz, e explica para a moça que trabalha para a família do jovem a algumas gerações, os netos e familiares de Mariah circulam e desfrutam do apartamento de João com tranquilidade, dormem nas camas, no sofá e assistem televisão.

Este é o retrato do trabalho doméstico que pressupõe certo grau de lealdade entre patrão e empregado, ocorre um apagamento da verdadeira essência deste tipo de relação. No desenrolar do filme, podemos notar que a filha de Mariah também trabalha para João, é possível enxergar ali um circulo vicioso de destinos, de relações tortas de trabalho e de determinismo social. João é paternalista em relação aos seus empregados, manda que a se coloque chinelos enquanto a roupa dele é passada, para evitar choques elétricos, por exemplo.

“O Som ao Redor” retrata de maneira bastante dinâmica a diversidade de questões tão antigas e ao mesmo tempo tão atuais criadas pelo coronelismo, exploração e um país que vive uma agenda social extremamente atrasada.



Por MARIANA LIMEIRA e PRISCILA REIGADA

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